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quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

A Noite do Boneco Vivo II - capítulo 1

Capítulo 1 - tradução: Kalel Pessanha


Meu nome é Amy Kramer, e toda quinta-feira eu me sinto um pouco idiota. Isso porque quinta-feira é a "Noite da Família" na minha casa.
Sara e Jad acham idiota também. Mas o papai e a mamãe não ouvem nossas queixas.
- É a noite mais importante da semana - diz o papai.
- É uma tradição da família - mamãe acrescenta. - É algo que as crianças sempre vão se lembrar.
Mamãe tem razão. É algo que sempre vou me lembrar, como muito chato e embaraçoso.
Você provavelmente já adivinhou o que fazemos na "Noite da Família", cada membro da família Kramer, exceto Jorge (nosso gato), tem que compartilhar algo com o resto da família.
Não é tão ruim para a minha irmã, Sara. Sara tem quatorze anos, dois anos mais velha que eu, e é uma pintora genial. De verdade. Uma de suas pinturas foi escolhida para uma exposição no museu de arte do centro.
Então Sara sempre compartilha alguns esboços do que ela está trabalhando. Ou uma nova pintura.
E a Noite da Família também não é tão ruim para o Jed. Meu irmão de dez anos, brinca o tempo todo. Ele não se importa com o que compartilhar. Numa quinta feira à noite ele arrotou bem alto e explicou que estava compartilhando o jantar.
Jed riu como um louco.
Mas mamãe e papai não acharam engraçado. Deram um sermão em Jed para levar a Noite da Família mais a sério.
Na Noite da Família seguinte, meu irmão detestável leu um bilhete que David Miller, um garoto da minha escola, tinha escrito para mim. Uma recado muito pessoal! Jed encontrou o bilhete no meu quarto e decidiu compartilhar com todo mundo.
Legal, não?
Queria morrer. Sério mesmo.
Jed se acha bonito e adorável. Ele realmente acha que é muito especial.
Eu acho que é porque ele é o único ruivo na família. Sara e eu temos cabelo liso e preto, olhos verdes, e pele muito bronzeada. Com sua pele pálida, rosto sardento e cabelos ruivos encaracolados, Jed parece de outro família!
E, por vezes, Sara e eu gostaríamos que fosse.
De qualquer forma, eu sou a que mais tenho problemas com a Noite da Família. Porque eu não sou tão talentosa quando Sara. E não sou tão boba como Jed.
Então, eu nunca sei o que compartilhar.
Quero dizer, eu tenho uma coleção de conchas, que eu mantenho em um frasco em cima da minha cômoda. Mas é realmente muito chato compartilhar conchas e falar sobre elas. E nós não vamos ao mar há quase dois anos. Então minhas conchas são meio velhas, e todo mundo já viu.
Eu também tenho uma coleção de CDs. Mas ninguém da minha família gosta de Bob Marley e reggae. Se eu começar a compartilhar essas músicas com eles, todos vão tapar os ouvidos e se queixar até eu tirar.
Então eu costumo contar alguma história... uma história de aventura sobre uma garota que supera desafios atrás de desafios. Ou um conto de fadas selvagem sobre princesas que se transformam em tigres.
Depois da minha última história, meu pai coloca um grande sorriso no rosto.
- Amy vai ser uma escritora famosa. - ele anuncia. - Ele é tão boa em inventar histórias. - papai olha ao redor da sala, ainda sorrindo. -  Nós temos uma família tão talentosa! - ele sempre exclama.
Eu sabia que ele dizia isso apenas para ser bom pai. Para me "incentivar". Sara é a talentosa da família. Todos nós sabemos.
Hoje à noite, Jed vai ser o primeiro a compartilhar. Mamãe e papai se sentaram no sofá da sala. Papai tinha sujado os óculos e estava vesgo enquanto limpava-os. Papai não pode ver uma poeirinha nos óculos. Ele o limpa cerca de vinte vezes por dia.
Eu me sentei na grande poltrona marrom encostada na parede. Sara sentou de pernas cruzadas no tapete do lado da minha cadeira.
- O que você vai nos mostrar hoje à noite? - mamãe perguntou à Jed. - Espero que não seja mais um arroto horrível.
- Isso foi tão nojento! - Sara resmungou.
- Você que é nojenta! - Jed rebateu. Ele mostrou a língua para Sara.
- Jed, por favor... nos dê uma noite tranquila - papai murmurou, deslizando seu óculos no pano e ajeitando-o no nariz. - Fique longe de problemas.
- Foi ela que começou - Jed insistiu, apontando para Sara. - É só compartilhar alguma coisa - ele suspirou.
- Eu vou compartilhar suas sardas - Sara disse a ele. - Vou tirá-las, uma a uma, e dará-la-eis para Jorge.
Sara e eu rimos. Jorge não olhou pra cima. Ele estava enrolado, cochilando no tapete ao lado do sofá.
- Isso não é engraçado, meninas - mamãe interpôs. - Parem de ser más como o seu irmão.
- Essa deveria ser a "noite em família" - papai lamentou. - Por que não podemos ser uma família?
- Mas nós somos! - Jed insistiu.
Papai franziu a testa e balançou a cabeça. Ele parece uma coruja quando faz isso.
- Jed, vai compartilhar alguma coisa? - ele perguntou com a foz fraca.
Jed assentiu.
- Sim.
Ele estava no meio da sala e enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans. Ele sempre calças jeans mais largas, até dez tamanhos maiores. Todos sempre acham que ele vai cair. Jed acha que é legal.
- Eu... ãh... aprendi a assobiar entre os dedos - ele anunciou.
- Uau! - Sara murmurou sarcasticamente.
Jed ignorou. Tirou as mãos dos bolsos. Em seguida, colocou seus dois dedinhos nos lados de sua boca e soltou um assobio longo e estridente.
Ele assobiou por entre os dedos mais duas vezes. Então fez uma acentuada reverência. A família inteira aplaudiu.
Jed, sorrindo, deu outra reverência.
- Essa família é tão talentosa! - papai exclamou. Desta vez, ele disse num tom de brincadeira.
Jed caiu no chão ao lado de Jorge, assustando o pobre gato que acabara de acordar.
- É a próxima, Amy - mamãe disse, virando-se para mim. - Vai nos contar outra história?
- Suas história são muito grandes! - Jed reclamou.
Jorge se levantou com suas patas cambaleantes e se afastou alguns metros de Jed. Bocejando, o gato se deitou ao lado dos pés da mamãe.
- Não vou contar uma história esta noite - eu anunciei. Peguei Dênis atrás da minha poltrona.
Sara e Jed gemeram.
- Ah... dá um tempo! - gritei.
Voltei a me sentar na poltrona, fixando meu ventríloquo no colo.
- Achei que o Dênis não viria essa noite - disseram mamãe e papai.
Eles deram um sorriso amarelo. Não liguei. Eu tinha praticado com o Dênis a semana toda. Queria experimentar meu novo número cômico com ele.
- Amy é uma péssima ventríloqua - Jed se meteu. - Vemos os seus lábios mexendo.
- Calado, Jed. Acho Dênis engraçado - disse Sara. Ela se sentou no sofá para ver melhor.
Equilibrei Dênis no meu joelho esquerdo e passei meus dedos pelas cordas em suas costas para controlar sua boca. Dênis é um boneco de ventríloquo muito antigo. A pintura de seu rosto está desbotada. Um olho é quase todo branco. Seu suéter de gola alta é rasgado e esfarrapado.
Mas me divirto muito com ele. Quando tinha cinco anos, e meus primos vinham me visitar, eu os entretenha com Dênis. Eles gritavam e riam. Achavam que era um motim.
Acho que estou ficando melhor com o Dênis. Apesar das reclamações de Jed.
Respirei fundo, olhei para mamãe e papai, e comecei meu número.
- Como está se sentindo hoje, Dênis? - eu perguntei.
- Não muito bem - fiz a resposta do manequim em voz alta e estridente. A voz de Dênis.
- Sério, Dênis? O que houve?
- Acho que estou com insetos.
- Quer dizer que está resfriado? - perguntei a ele.
- Não. Cupins!
Mamãe e papai riram. Sara sorriu. Jed gemeu alto.
Me concentrei em Dênis.
- Bem, já foi ao médico? - perguntei a ele.
- Não. Fui num carpinteiro!
Mamãe e papai deram um sorriso amarelo. Jed gemeu novamente. Sara colocou o dedo na garganta, fingindo vomitar.
- Ninguém gosta de piadas, Dênis - disse a ele.
- Quem contou uma? - fiz Dênis responder.
- Ele é chato - ouvi Jed murmurar a Sara. Ela assentiu com a cabeça, concordando.
- Vamos mudar de assunto, Dênis - disse, mudando o boneco para o meu outro joelho. - Você tem namorada?
Debrucei Dênis para frente, tentando fazê-lo acenar com a cabeça que sim. Mas sua cabeça rolou para a direita pelos seus ombros.
A cabeça de madeira bateu no chão com um baque e foi para cima de Jorge. O gato pulou e saiu correndo.
Sara e Jed passaram mal de tanto rir, batendo uns nos outros.
Levantei com raiva.
- Papai! - gritei. - Você prometeu que ia comprar um boneco novo!
Jed correu para o tapete e pegou a cabeça de Dênis. Ele puxou a corda, fazendo a boca do manequim se mexer.
- Amy fede! Amy fede! - Jed fez o manequim repetir.
- Me dá isso! - agarrei a cabeça com raiva da mão de Jed.
- Amy fede! Amy fede! - Jed continuou cantando.
- Já basta! - mamãe gritou, levantando-se do sofá.
Jed se recuou para a parede.
- Andei pesquisando um novo manequim pelas lojas. - papai me disse, tirando os óculos novamente e examinando-os de perto. - Mas todos eles são muito caros.
- Bem, e como vou me aperfeiçoar com isso? - eu exigi. - A cabeça de Dênis cai toda vez que o uso!
- Faça o seu melhor - mamãe disse.
O que queria dizer? Eu sempre odiava quando ela dizia isso.
- Em vez de Noite da Família, devíamos chamar de Noite da Porradaria. - Sara declarou.
Jed ergueu os punhos.
- Quer brigar? - perguntou Sara.
- É a sua vez, Sara - mamãe disse, apertando os olhos para Jed. - O que vai compartilhar essa noite?
- Tenho uma nova pintura. - Sara anunciou. - É uma aquerela.
- Do quê? - perguntou papai, colocando os óculos no rosto.
- Se lembra da cabana que íamos em Maine alguns verões atrás? - Sara respondeu, jogando seus cabelos pretos e lisos para trás. - A única com vista para o rochedo? Eu achei uma foto dela, e tentei pintar.
De repente, me senti muito irritada e chateada. Admito. Eu estava com ciúmes de Sara.
Ali estava ela, quase compartilhando outra bela aquarela. E lá estava eu, arrancando a cabeça de um manequim estúpido de madeira sentado no meu colo.
Não era justo!
- Vão ter que ir ao meu quarto para ver - Sara estava dizendo. - Ainda está úmida.
Todos nós nos levantamos e andamos até o quarto de Sara.
Minha família vive numa grande casa de um andar só, no estilo fazenda. Meu quarto e o quarto de Jed ficam no final de um corredor. A sala de estar, a sala de jantar e a cozinha estão no meio. O quarto de Sara e o quarto de meus pais são em outro corredor, na outra extremidade da casa.
Eu liderei o caminho pelo corredor. Atrás de mim, Sara falava dos problemas que ela teve com a pintura e como resolveu todos eles.
- Me lembro da cabine nitidamente - disse o papai.
- Mal posso esperar para ver a pintura - mamãe acrescentou.
Entrei no quarto de Sara e acendi a luz.
Então eu me virei para o cavalete perto da janela onde a pintura foi feita... e soltei um grito de terror.

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