Guida veio na tarde seguinte. Guida é muito pequenininha, uma espécie de mini-pessoa. Ela tem um rosto pequeno, mas é muito bonita, com olhos azuis brilhantes e feições delicadas.
Seu cabelo loiro é leve e bom. Ela o deixou crescer este ano. Passa só um pouco de sua cinturinha.
Ela é quase meio metro mais baixa que eu, embora nós duas façamos doze anos, em Fevereiro. Ela é muito inteligente e popular. Mas os meninos gostam de tirar sarro de sua voz suave e sussurrante.
Hoje ela vestia uma camiseta azul brilhante sobre calções brancos de tênis.
- Comprei a nova coleção dos Beatles - ela me disse entrando na casa. Ela levantou uma caixa de CD.
Guida ama os Beatles. Ela não ouve nenhuma dessas bandinhas atuais. Em seu quarto, ela tem uma prateleira inteira de fitas e CDs dos Beatles. E ela tem cartazes dos Beatles nas paredes.
Nós fomos para o meu quarto e tocamos o CD. Guida deitou na cama. Eu me esparramei no tapete defronte a ela.
- Meu pai quase não me deixa ouvir - Guida me disse, empurrando seu cabelo longo por trás dos ombros. - Ele sempre acha que vai precisar de mim para trabalhar no restaurante.
O pai de Guida é dono de um restaurante no centro chamado A Casa de Festa. Não é bem um restaurante. É uma casa grande e velha que ele encheu de salões onde as pessoas podem realizar festas.
Muitas crianças fazem festas de aniversário lá. E tem bares mitzvahs, celebrações e casamentos lá. Às vezes, seis festas acontecem ao mesmo tempo!
Uma música dos Beatles terminou. A próxima música, "Ame-me Na Real", começou a tocar.
- Eu amo essa música! - Guida exclamou. Ela cantou junto por um bom tempo. Tentei cantar com ela, mas não consigo acompanhar o tom. Como meu pai diz, não posso brincar com a melodia.
- Olha, estou feliz que não tenha que trabalhar hoje - eu disse à Guida.
- Eu também - Guida suspirou. -Papai sempre me dá os piores empregos. Sabe disso. Limpar mesas. Guardar pratos. Ou amarrar sacos de lixo. Eca!
Ela começou a cantar de novo, e depois parou. Ela se sentou na cama.
- Amy, quase me esqueci. Papai pode conseguir um emprego para você.
- Como? - respondi. - Tipo amarrar sacos de lixo? Tô fora, Guida.
- Não. Não. Escuta - Guida implorou animadamente em sua voz de camundongo. - É um bom trabalho. Papai tem um monte de festas de aniversário agendadas. Para criancinhas. Você sabe. Menores de dois anos. Talvez alguns de três ou quatro. E ele acha que podemos entretê-los.
- Ãh? - olhei para minha amiga. Ainda não tinha entendido. - Você quer dizer cantar, ou algo assim?
- Não. Algo como Dênis. Ela torceu uma mecha de cabelos em torno de seus dedos e balançou a cabeça no ritmo da música enquanto falava. - Papai te viu com Dênis na noite de talentos da sexta série. Ele ficou realmente impressionado.
- Ficou? Eu fui terrível naquela noite! - respondi.
- Bom, meu pai não achou. Ele perguntou se você gostaria de ir para uma festa de aniversário e fazer uma performance com o Dênis. As criancinhas vão adorar. Meu disse que ele mesmo iria pagá-la.
- Puxa! Isso é bacana! - eu respondi. Que ideia excitante.
Então me lembrei de algo.
Fiquei de pé num pulo, corri o quarto inteiro até a cadeira, e levantei a cabeça de Dênis.
- Um probleminha - gemi.
Guida soltou o cabelo e fez uma careta.
- A cabeça dele? Por que você arrancou-a?
- Não arranquei - eu respondi. - Ela soltou. Toda vez que eu uso o Dênis a cabeça cai.
- Ah - Guida soltou um suspiro desapontada. - A cabeça parece esquista por si só. Eu acho que as criancinhas não vão gostar dela caindo.
- Eu acho que não - concordei.
- Ela pode assustá-las ou algo assim - disse Guida. - Você sabe. Terão pesadelos. Podem pensar que suas próprias cabeças estão caindo.
- Dênis está totalmente destruído. Meu pai prometeu-me um novo ventríloquo. Mas foi incapaz de encontrar um.
- É uma pena - Guida respondeu. - Você ia se divertir apresentando para crianças.
Ouvimos mais músicas dos Beatles. Então Guida teve de ir para casa.
Poucos minutos depois de sua saída, ouvi a porta da frente bater.
- Ei, Amy! Amy... está em casa? - eu ouvi papai chamando da sala de estar.
- Estou indo! - respondi. Fui caminhando até a frente da casa. Papai estava na porta de entrada, com uma longa caixa debaixo do braço, com um sorriso no rosto.
Ele entregou um cartão para mim.
- Feliz Desaniversário! - ele exclamou.
- Papai! É...? - choraminguei. Rasguei a embalagem. Isso! Um novo ventríloquo!
Eu tirei-o cuidadosamente da embalagem.
O ventríloquo tinha cabelo castanho ondulado pintado na parte superior da cabeça de madeira. Estudei seu rosto. Era meio esquisito. Parecia estar vivo. Seus olhos eram de um azul brilhante... não desbotados como os de Dênis. Seus lábios pintados de vermelho choque se curvavam num sorriso misterioso. Seu lábio inferior tinha uma lasca que não combinava muito bem com o outro.
Conforme eu o puxava da caixa, o ventríloquo parecia olhar nos meu olhos. Seus olhos brilhavam. Seu sorriso se alargou.
Senti um calafrio repentino. "Por que esse ventríloquo parecia estar rindo de mim?", perguntava-me.
Segurei-o levantando-o, examinando-o com cuidado. Ele usava um terno cinza, trespassado por um colarinho branco. O colarinho tinha sido grampeado em seu pescoço. Ele não usava camisa. Em vez disso, sua caixa de madeira havia sido pintada de branco.
Grandes sapatos de couro preto eram presos às extremidades de suas finas pernas balançantes.
- Pai... ele é ótimo! - exclamei.
- Encontrei-o numa casa de penhores - meu pai disse, pegando a mão do ventríloquo e fingindo apertar as mãos com ele. - Como você faz, Bofetada?
- Bofetada? É o nome dele?
- Foi o que o homem da loja disse - papai respondeu. Ele levantou os braços de Bofetada, examinando seu terno. - Eu não sei porque ele vendeu Bofetada tão barato. Ele praticamente deu de graça!
Virei o ventríloquo e examinei as cordinhas que faziam a boca abrir e fechar.
- Ele é excelente, pai! - eu disse. Beijei papai na bochecha. - Obrigada.
- Você realmente gostou dele? - papai perguntou.
Bofetada sorriu para mim. Seus olhos azuis olharam os meus. Ele parecia estar esperando por uma resposta também.
- Sim, ele é incrível! - eu disse. - Eu gosto dos seus olhos severos. Parecem tão reais.
- Os olhos se mexem - disse o papai. - Eles não são pintados, como os de Dênis.
Eles não piscavam, mas se moviam de um lado para o outro.
Coloquei minha mão dentro das costas do ventríloquo.
- Como faz os olhos se mexerem? - perguntei.
- O moço mostrou-me - papai disse. - Não é difícil. Primeiro você segura a corda que mexe a boca.
- Deixe-me tentar - eu disse a ele.
- Então você mexe sua mão para cima da cabeça do ventríloquo. Há uma alavanca um pouco lá em cima. Sente-a? Empurre-a. Os olhos vão me mover na direção que você empurrar.
- Tudo bem. Vou tentar - eu disse.
Lentamente mudei minha mão por dentro das costas do ventríloquo. Pelo pescoço. E em sua cabeça.
Eu parei e soltei um grito de surpresa quando minha mão bateu em algo macio.
Algo suave e quente.
Seu cérebro!
escrito por: R.L. Stine
traduzido por: Kalel Pessanha